terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Cuidar do marido, dos filhos e da casa!


Dizia eu (pág. 2) que, no Pombalinho, a mulher casada cuidava do marido, dos filhos, da casa e do mais que se verá. Pois bem, o mais que se verá, já vimos... E cuidar do marido (além dos específicos deveres de esposa) e dos filhos, assim como de si própria e da casa, era, naturalmente, preparar a comida, tratar da roupa e manter a casa limpa e arrumada.

A comida dos pombalinhenses tinha por base uma sopa grossa, de couves, e às vezes nabos, com feijão branco e azeite, produtos abundantes na região. Os nabos consumiam-se mais em determinada época do ano, uma época em que o Veiga semeava no Mouchão, do outro lado do Tejo, grandes nabais, e vendia depois cada braçada de nabos (a medida era um baraço dos que se usavam para atar os molhos de trigo e cuja bitola era exactamente a distância entre as duas mãos, com os braços estendidos), com as suas magníficas cabeças, a cinco tostões ($50) a braçada. E, claro, lá iam as mulheres, às vezes acompanhadas por algum filhote (eu lembro-me de ter acompanhado a minha mãe), caminhando dois ou três quilómetros para cada lado, com a travessia do Tejo feita pelos barqueiros que o Veiga ali mantinha, e carregando, no regresso, os nabos à cabeça.

Durante a semana, era feita diariamente uma panelada de sopa que desse para a ceia e para o almoço do dia seguinte, tomado, este, das 10 às 11 horas, no local de trabalho, pelos que andassem a trabalhar. A não ser que o trabalho fosse muito perto de casa, o que era raro. Nesse caso, ia-se tomar as refeições a casa. O jantar, no campo, das 14 às 15 horas, nos dias mais pequenos, e das 14 às 16, nos dias maiores, consistia, normalmente, em pão com um bocado de conduto, que podia ser queijo, sardinha, carapau, chicharro (era o tempo dos “3, dez tostões”), bacalhau, qualquer outro peixe, assado ou cozido, azeitonas, toucinho, chouriço, morcela, ovo cozido, mexido ou em omeleta, marmelada, e sei lá que mais.

O trabalho era de sol a sol e, por isso, as duas horas ao jantar nos enormes dias de verão, a fim de ficar tempo para uma sesta e poder-se, assim, dar melhor rendimento nas mais de quatro horas que faltavam ainda até o Sol se pôr. Era um tempo em que muitas vezes ao jantar se comia algo de mais substancial, levado ao local de trabalho pela mulher, pela mãe, por algum filho pequeno, ou cozinhado ali mesmo, na altura, para o que, ao sair de casa, pela manhã, cada um levava consigo os ingredientes necessários. Algo, naturalmente, que não demorasse muito tempo a preparar. E levava-se também a burra, um pedaço de varão de ferro com um bico dum lado, para espetar no chão, e uma dobra do outro, para pendurar a caldeira ao lume. Mas também acontecia que, para completar os ingredientes para a refeição, se saísse de casa a contar com alguma coisa que se apanhasse pelo caminho ou no próprio local de trabalho. Quando era a contar com o que a terra dava, tomates ou pimentos, por exemplo, e pouco mais, tudo bem. Mas a contar com o que andava dentro de água, isso era arriscar muito. Na verdade, eu só me lembro de ter assistido a isso uma vez. Passados tantos anos (à volta de sessenta), não sei já dizer quem foi o protagonista (ou melhor, não quero arriscar-me a errar, porque tenho uma pessoa em mente). Mas que aconteceu, aconteceu.

Andávamos a trabalhar numa seara de cânhamo, a hoje famosíssima e proibidíssima cannabis sativa, nos “Talhos”, propriedade na margem esquerda do rio Alviela e próxima da ponte (romana) entre o Pombalinho e Vale de Figueira, exactamente no local que a televisão mostra nos seus telejornais cada vez que o Alviela deita fora e corta ali o trânsito na Estrada Nacional nº 365. Chegada a hora do jantar, quem quer que ele era, espetou a burra sobre a fogueira, pendurou-lhe a caldeira com batatas para cozer, pegou numa cana que tinha preparado para a pesca, iscou o anzol e deitou-o à água. Mas sinal de peixe, nada. A bóia nem bulia. Estariam os peixes também na hora da sesta?  Não, não estavam. Pelo menos um, não estava. Porque, depois de muito esperar, o nosso amigo viu, de repente, a bóia a ser puxada para o fundo. Ele estava atento. Segurou a cana com firmeza, rapidamente. Mas nem tempo teve de puxá-la, porque a bóia, tão de repente como tinha ido ao fundo, veio à superfície, por conta própria. Desolado, o nosso amigo puxou a cana. E disse mal da vida. O peixe tinha simplesmente quebrado o fio e levado o anzol. Que grande peixe ele devia ser!... Bom, escusado seria dizer que o azarado pescador teve de contentar-se, para o jantar daquele dia, apenas com as batatas cozidas, temperadas com azeite e sal, mais o costumado bocado de pão de milho a acompanhar. Conduto, nicles...


A respeito de comida, está dito como era durante a semana. Falta dizer que, nesse tempo, a semana de trabalho para o camponês era de segunda-feira a sábado e de sol a sol, como já foi dito mais acima, excepto à segunda-feira, dia em que, no Pombalinho, se pegava ao serviço às 10 horas, já almoçado. E falta dizer que ao Domingo havia, normalmente, rancho melhorado e se eliminava uma refeição, com o almoço mais ou menos por volta do meio-dia, às vezes depois de toda a família ter ido para o campo ou para a eira a fim de trabalhar nas tais searas de milho e feijão, de grão de bico, etc., ou no apuro da sua colheita (descamisar, malhar, escarolar...), e o jantar à costumada hora da ceia. 


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

As vides


Seguia-se a poda das vinhas, coisa que requeria aprendizagem, assim como a limpeza e a destronca das oliveiras. Por isso, a primeira vez que algum novato fazia um desses trabalhos, fazia-o sob a orientação de um companheiro já experiente. As oliveiras ainda eu aprendi a limpar, sob a orientação do meu tio Daniel Gandarez; a podar as videiras, não. Ora, terminada a poda das vinhas, a apanha das vides, que se juntavam em molhos atados com as próprias vides, era mais uma tarefa das mulheres casadas e dos filhos pequenos, com a divisão a meio por meio e com o transporte das vides para casa por conta dos donos das vinhas. E assim se arranjava alguma matéria prima para fazer a comida ou para aquecer o forno em que se cozia o pão.

As vides que cabiam aos proprietários ficavam nas vinhas, amontoadas, para com elas se aquecerem os almoços e se assar o conduto dos trabalhadores quando era a vinha o local de trabalho. E era-o muitas vezes. Considerando uma ordem cronológica, direi que os trabalhos nas vinhas começavam, em Fevereiro ou Março, pela cava (com um homem em cada vão e um mais possante, e conluiado com o patrão ou com o capataz, a puxar pelos companheiros), passava pela sulfatagem, às vezes pela enxofra, pela desfolha (antes da vindima, para os cachos ficarem mais expostos ao sol), pela vindima, em Setembro, e terminava na poda, assim se completando o ciclo. Relacionado com a vindima em Setembro e com algo que se esperava ou desejava que desaparecesse, era até corrente a expressão: levou uma volta como São Miguel deu às uvas. O dia do Arcanjo São Miguel é em 29 de Setembro.

Exceptuando a poda, a enxofra e a desfolha, as duas últimas feitas por mulheres, tudo o mais eu fiz, inclusive apanhar as vides, com a minha mãe. 


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Rabisco das Uvas


Realmente, não se perdia nada. Depois da vindima acabada, as vinhas não escapavam também a uma rabiscadela. Por entre a parra escapava sempre algum cacho mais pequeno à vista do vindimador. Esse era o único rabisco em que não havia divisão com os donos das vinhas. Ficava-se com uvas para alguns dias ou fazia-se arrobe, para o que se espremiam as uvas e se punha o mosto ao lume, deixando-o ferver até ficar espesso. E comia-se espalhado no pão. Não era, porém, coisa que se fizesse muito, para poupar a lenha.

Por falar em vindimas, vem a propósito dizer que foi a vindimar que eu ganhei o meu primeiro salário. Tinha dez anos e estava nas férias escolares entre a terceira e a quarta classes da instrução primária. O Américo Cachado, um dos pequenos proprietários do Pombalinho, também tinha uma vinha. E pôs miúdos a fazer a vindima. Não sei se fazia sempre assim, ou se foi só naquele ano. Porque o normal era serem raparigas das que já andavam nos trabalhos do campo, assalariadas, a fazerem a vindima. Isso, porque havia os trabalhos para homens e os trabalhos para mulheres. Por um lado, porque havia trabalhos (os que exigiam maior esforço físico) em que as mulheres não davam o mesmo rendimento que os homens; por outro, porque o salário das mulheres era por norma aproximadamente metade do salário dos homens. E menor ainda que o das mulheres, era o salário dos miúdos, rapazes e raparigas. Ora, a verdade é que, por não exigirem grande esforço, havia trabalhos em que todos davam o mesmo rendimento, ou em que, pelo menos, a diferença de rendimento seria bem compensada pela diferença do salário. A vindima era, seguramente, um desses trabalhos, e o Américo Cachado sabia tirar partido disso. Haveria de passar ainda para aí meio século até que se começasse a falar de exploração do trabalho infantil.

Esse meu primeiro salário foi de 2$50 (dois escudos e cinquenta centavos) por dia. Não me lembro de todos que andámos nessa vindima. Mas lembro-me do António Maria (da Isaura; havia outro António Maria, filho do Izidoro “Sapateiro”, e ambos tinham como apelido Duarte ), do João Fataça e duma irmã deste, a Gracinda.

Falando de uvas, falta dizer que estas também eram alvo, a partir do seu amadurecimento, de umas tentativas de apropriamento indevido, ou seja, de umas furtadelas, especialmente por parte da rapaziada, sempre aventureira nas suas brincadeiras em grupo ao passar por onde houvesse fruta, no campo ou nas hortas, apesar dos muros e das sebes erguidos à sua volta. Eu não era dos mais ousados nessas incursões, mas, como é sabido, o grupo predispõe ao atrevimento. Apesar disso, há sempre os mais ousados, que vão à acção, e os mais temerosos, que ficam de vigília, se bem que para efeitos de culpa se diga que tão ladrão é o que rouba como o que fica à porta.

Uma vez, tinha eu quinze ou dezasseis anos, meteu-se-me na cabeça ir roubar uvas. Andava então a trabalhar no forno do Alviela (voltarei com certeza a falar deste trabalho), que distava cerca de dois quilómetros e meio do Pombalinho e onde, nesse ano, andavam também a trabalhar o Ernesto Hilário e o Fernando Gaião, um ou dois anos mais novos que eu. Era o tempo em que as uvas começavam a amadurecer. As vinhas já tinham guarda. Naquele dia, depois de despegarmos e ao passarmos pela Vinha dos Dezoito, do João d’Assumpção Coimbra, topei uma abertura na sebe de marmeleiros por onde me pareceu que conseguiria passar. Disse então aos meus companheiros para esperarem um bocado, enquanto eu ia às uvas. E fui. Furei pelo buraco e dirigi-me, quase de rastos, para as cepas mais próximas. Estava já bastante escuro. Já nem dava para ver os cachos por entre a parra. Por isso, e para não apanhar uvas verdes, tive de pôr-me a apalpar os cachos. E estava eu nessa azáfama quando ouço uma voz, pausada: - Então , já estão maduras?
Olho para o lado de onde vinha a voz e lá estava ele, o guarda, um homenzarrão, parado e olhando para mim, apoiado ao seu cajado. Então, ah pernas para que te quero!... e aí vou eu direito à sebe, que desta vez não furei, saltei. O que me valeu foi que eu até saltava bem. Algumas vezes em que a malta competia a ver quem saltava mais alto ou mais longe, eu ganhava quase sempre. E foi isso que me levou à prática do atletismo no Sporting Clube de Portugal, enquanto cumpria o serviço militar.

O que me valeu, é como quem diz, porque se o guarda me tivesse querido fazer mal, podia muito bem tê-lo feito. Foi um gajo porreiro.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Adeus oliveiras!


Sob certos aspectos, a vida mudou muito, mudou completamente. E sempre assim terá sido, senão viveríamos ainda todos em cavernas. Noutros, naturalmente, nem tanto, ou mesmo nada. Têm mudado muito, e mudam cada vez mais, assumindo proporções de progressão aritmética, senão mesmo geométrica, porque propulsionadas pela ânsia do Homem em dominar a matéria e melhorar a sua qualidade de vida, sobretudo os aspectos materiais; é mais lenta, por uma propensão conservadora e fatalista, subserviente e obscurantista da espécie humana, a transformação da mente, que é como quem diz, a subversão de usos e costumes.

Ora, mudança grande, estrondosa, radical, aconteceu com as oliveiras na minha terra e arredores. Eram hectares e hectares e hectares plantados de oliveiras, grande parte delas muito provavelmente já seculares. Eram uma enorme riqueza da região. Ainda assim era em 1959, quando eu fiz também uma grande mudança, de Portugal para Moçambique. Hoje, em toda essa extensão vêem-se meia dúzia de oliveiras, uma aqui, outra ali, em hortas e quintais.

Quando, em 1964, voltei ao Pombalinho, no gozo da tão colonial “licença graciosa” (150 dias, mais o tempo das viagens, que eram feitas de barco, mais o tempo que se ficava à espera do embarque, e ainda mais um ou dois meses, coisa facilmente conseguida por aqueles que nisso estivessem interessados, com uma ida à Junta de Saúde do Hospital do Ultramar, queixando-se de qualquer maleita) – quando, em 1964, dizia eu, voltei ao Pombalinho no gozo da tão colonial “licença graciosa” a que os funcionários do Estado colocados nas colónias tinham direito por cada período de 4 anos de estadia, o primeiro olival, um dos maiores, tinha desaparecido. Tinha sido arrancado pela raiz. Era um dos muitos olivais do João d’Assumpção Coimbra. Em seu lugar, haviam sido plantadas macieiras.

O azeite havia entrado em descrédito. Começara a propalar-se que o mesmo não era bom para a saúde, e recomendava-se, em sua substituição, o consumo de óleo de milho, que entretanto aparecera no mercado. A procura do azeite baixara. Os olivais já não davam ganho. E foram indo uns atrás dos outros. Os lagares pararam. Acabou a produção de azeite no Pombalinho e nas suas redondezas.

Na maior parte daqueles olivais, tinha eu trabalhado, e naquele também, entre os 12 e os 14 ou 15 anos, primeiro a espalhar o estrume, de forquilha em punho, antes da lavoura, e depois a cavar as marradas (a terra à volta das oliveiras a que a charrua não chegava) e a gradar, preparando a terra para a sementeira, ora de trigo, ora de favas, e também de grão de bico. Éramos sempre um grupo de nove ou dez rapazes, mais o maioral das éguas, as quais umas vezes íamos buscar ao lugar da pastagem, cada um a sua parelha, e à noite, depois da jornada de trabalho, íamos lá deixar, outras vezes eram trazidas em rebanho ao local da gradagem e ali lhes deitávamos a mão. A parelha que agarrássemos no primeiro dia era aquela com que ficávamos enquanto durasse a gradagem, o que, para mim, era um martírio. Até hoje, e, claro, vai ser para sempre, tenho uma dificuldade tremenda em fixar fisionomias. Sejam elas de animais ou de pessoas. E então, o que é que acontecia? Enquanto os meus companheiros, com toda a facilidade, procuravam a sua parelha e lhe deitavam a mão, eu tinha que ficar à espera das éguas que sobravam. A não ser que me tivesse calhado logo no primeiro dia alguma com um sinal muito evidente em qualquer parte do corpo - uma pinta, por exemplo - que mais nenhuma tivesse.


E martírio era também quando íamos de manhã buscar as éguas ao local da pastagem e à noite lá as íamos deixar, revelando-se logo aí a falta de jeito que pela vida fora me havia de acompanhar para lidar com bestas. Em sentido real e figurado. Como albarda, tínhamos apenas uma saca que levávamos de casa. E alguns dos meus companheiros, nem isso. Pois bem, enquanto que para eles aquelas cavalgadas eram uma festa, conseguindo ajustar perfeitamente os seus movimentos aos movimentos das éguas que montavam, fossem elas a trote ou a galope, eu fartava-me de baloiçar em cima delas e, às tantas, zás, dava com as costelas no chão. Os outros divertiam-se. Como nos divertíamos quando algum de nós se desequilibrava em cima da grade, por as leivas serem muito grandes e estarem muito duras, e enfiava uma perna pela grade. A maior parte das vezes, quando tal acontecia, logo se conseguia parar as éguas. Mas também acontecia elas não pararem - e espantarem-se, até - e então é que a coisa ficava feia. Agarra, agarra, que é lebre!..., gritava a malta. Que me lembre, nunca algum fracturou uma perna, embora o risco de que tal sucedesse fosse grande. Mas de umas contusões não nos livrávamos.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A Matança !


A matança, poucos a podiam fazer em casa, como disse. O meu tio José Minderico (meu tio, por ser marido de uma irmã do meu pai, a Jesuína) era um desses. Pelo menos uma vez, ainda eu era muito pequeno, fui com os meus pais e o meu irmão a uma matança em sua casa, que era na Rua de Santo António.

Os meus pais faziam parte do grupo maior – o grupo dos que tinham que vender o porco. Em minha casa nunca houve matança. E, que me lembre, sempre o porco foi vendido ao Hermínio Minderico, antes e depois de a minha mãe gastar da sua loja, na Rua Joaquim Gonçalves Ferreira, mais conhecida por Rua dos Foros, creio que por as habitações dessa rua, todas dum lado só, excepto num dos extremos, aquele em que há uma fonte, haverem sido construídas em terrenos cedidos por foral.
E os porcos que os meus pais criavam iam para o Hermínio (que, diga-se de passagem, fazia o melhor chouriço das redondezas) exactamente porque a senhora Anita, dona da loja em que a minha mãe gastava antes, na Rua Barão de Almeirim (a Rua de Cima: todas as ruas ou quase tinham, de resto, dois nomes, o oficial, que estava inscrito nas tabuletas nelas afixadas, e o que a população lhe dava e pelo qual muito melhor as conhecia), não matava porcos.

À matança do porco vendido ajudava a família que o vendia, começando por levá-lo para o local do sacrifício, depois de o ter deixado, se não me engano, 24 horas sem comer. Uma vez ali, atavam-se-lhe as patas e o focinho, em cujas cordas se usava, aliás, o chamado nó de porco, deitava-se em cima de uma banca e enfiava-se-lhe um facalhão nas goelas, pondo um alguidar a aparar o sangue, a que se ia juntando sal e se ia mexendo, por entre os grunhidos do pobre porco. A seguir, e com o animal já desamarrado, primeiro chamuscavam-se-lhe os pelos por todo o corpo, com carqueja seca a arder na ponta duma forquilha, e depois lavava-se bem lavado, utilizando-se água e uma escova de piaçaba. Dali, ia para o chambaril, e começava a dissecação. Depois de extraídas as tripas e algumas miudezas que estava estipulado pertencerem ao vendedor do porco, em casa do qual, haveria, assim, nesse dia ou num dos seguintes, rancho melhorado, procedia-se então ao peso da carcaça, operação em que se usava uma balança romana (balança de pilão).


E vamos a contas. Tantas arrobas; a tanto a arroba: x vezes y igual a z (isto aprendi eu mais tarde), vamos lá a ver se ainda tens algum dinheirinho para levar, ou se fica todo na mercearia e nem chega para liquidar a dívida.