As casas das famílias
camponesas eram casas térreas, geralmente com duas divisões: cozinha e casa de
fora. Uma ou outra tinha a casa de fora dividida, dispondo, assim, também de um
quarto. Algumas famílias tinham casa própria; as restantes viviam em casa
alugada. E toda a casa tinha o seu quintal, no qual se criavam galinhas e
coelhos (mais coelhas que coelhos), um porco ou uma porca, às vezes um carneiro
ou uma ovelha, e se tinha uma cabra.
Com as galinhas havia sempre um galo, pelo menos, para as galar. E
com as coelhas, um coelho, para as cobrir. O objectivo era a produção de ovos e
de carne, de que uma parte se consumia em casa: os ovos sempre que os houvesse
e a carne nos dias de rancho melhorado (Domingos e feriados). A outra parte,
menor no caso dos ovos e maior no caso de galinhas e coelhos, era vendida aos
compradores que de carroça percorriam as aldeias a comprar tudo isso, para,
pelo menos no caso do Pombalinho e aldeias próximas, abastecerem o mercado de
Lisboa, para onde tudo era despachado em canastras, via caminhos de ferro.
Tanto no caso dos galináceos como no dos coelhos, de cada nova ninhada os
machos eram vendidos ou consumidos em casa logo que atingissem tamanho para
isso, visto não darem qualquer outro rendimento. No caso dos coelhos fazia-se
ainda algum dinheiro com as peles, vendidas aos mesmos compradores ou a
ferros-velhos também ambulantes.
No Pombalinho havia um desses compradores, o Francisco Duarte, por
todos mais conhecido por Chico Pardal, que também era barbeiro e bom actor
cómico e que uma vez por semana, em dia certo, dava a volta à aldeia fazendo o
seu pregão. Mas também por ali passavam, de vez em quando, não sei se
igualmente em dias certos, um comprador de Vale de Figueira e outro do Sobral
(São Vicente do Paul). Quanto a ferros-velhos, passou durante algum tempo pelo
Pombalinho, de bicicleta, um de Alcorochel (Torres Novas), chamado José Moita.
Deste lembro-me o nome porque mais tarde trabalhámos juntos no forno do
Alviela.
Falando de galos, também posso falar de capões, que são galos
castrados, ou melhor, capados, que era o termo que, naquele tempo e por aqueles
lugares, eu e toda a gente conhecia e usava. Não sei se ainda se capam galos em
algum lugar do mundo, mas é coisa que já se fez. Era eu miúdo, vi um capão (um
galo enorme!) no Reguengo do Alviela e conheci o capador, então já um velhote.
Quanto ao porco, de tempos a tempos passava alguém pela aldeia a vender
bácoros. Comprava-se um, que ia para a pocilga e, passadas algumas semanas,
mandava-se capar, para melhor encorpar. Com os testículos, bem assados e
devidamente temperados, fazia-se um belo pitéu.
Diz-se que o porco come de tudo. Se assim não é, muito longe disso
não andará. A esses porcos criados em casa dava-se, consoante a sua fase de
crescimento e a época do ano, hortaliça e algumas plantas silvestres, cozidas e
misturadas com farelos, bolota, abóbora, bagaço (e já disse que bagaço, no
Pombalinho, eram os resíduos da azeitona) e milho. Restos de comida é que não
era muito provável dar-lhes, pela simples razão de que seria mais difícil haver
sobras de comida do que passar um camelo (ou será mesmo uma corda, como
pretendem os exegetas?) pelo cu duma agulha. Quanto ao resto, a hortaliça
também não seria muita, porque era preciso comprá-la; os farelos eram os que se
obtinham ao peneirar a farinha para as coseduras semanais; as plantas
silvestres e a bolota iam apanhar-se onde se soubesse que existiam; o bagaço,
relativamente barato, era comprado à porta (a vendedores ambulantes), nalgumas
lojas (na do Francisco Borges, por exemplo), ou directamente aos donos dos
lagares, que o conservavam em grandes depósitos escavados no chão; a abóbora,
aliás da espécie chamada porqueira, e o milho vinham das searas, conforme já foi
dito. E dito foi também, na mesma altura, que o milho era dado ao porco quando
a sua matança já estava para breve, por ser o que melhor o engordava e, creio
eu, também porque dava melhor sabor à carne, assim se juntando o útil ao
agradável.
A matança poucos a podiam fazer em casa, para meterem a carne na
salgadeira e pendurarem os enchidos no fumeiro. A maior parte tinha de vender o
bicho, para liquidar ou pelo menos amortizar a dívida na mercearia. Se a
mercearia de onde cada família se abastecia, e onde, portanto, teria a dívida,
também vendia carne de porco, era para aí que o animal normalmente ia, vendido
à arroba (15 quilos). Se não, ia para outro lado qualquer, mas o dinheiro da
sua venda tinha que ir, no todo ou em parte – uma boa parte – para a mercearia
em que se tinha a dívida. Caso se quisesse, naturalmente, continuar a poder
comprar fiado, na mesma ou noutra qualquer mercearia. Porque numa aldeia tudo
se sabe. E sabendo-se, a respeito de alguém, que é caloteiro, o mais certo é
acabarem-se-lhe os fiados.
Havia, de resto, famílias nessa situação. Por falta de orientação
do chefe da família (por exemplo, ir este frequentemente para a taverna para
beber uns copos ou para o jogo do chinquilho ou da bisca, o que também ia dar
aos copos, ora a perder, ora a ganhar, e estava quase sempre associado ao
hábito do cigarro); por falta de saúde; por falta de trabalho, coisa que podia
agravar-se, neste último caso, se o chefe da família tivesse fama de calão. De
resto, o mais certo era essas famílias nem porco criarem, por não conseguirem
juntar o dinheiro para comprar o bácoro.
Uma cabra, só alguma das famílias que não criava porcos poderia
não a ter também, e pelo mesmo motivo. A cabra normalmente comprava-se só uma
vez, ainda pequena, também. Era a primeira que se comprava, depois de se
constituir família. Acabada de criar, conservava-se, porque a finalidade era
obter dela o leite, especialmente para a alimentação das crianças.
Quando chegava o cio, pedia-se a alguém que tivesse um bode, que é
como quem diz, a algum lavrador que tivesse rebanho de cabras, para deixar
levar a cabra ao seu bode, para a cobrição. Nascidas as crias, estas eram
vendidas, geralmente para os talhos da terra. Só quando a primeira cabra já
tivesse uns anos se ficava com uma das suas crias, vendendo-se então a mãe.
Um borrego comprava-se depois de marcada a data do casamento de um
filho ou de uma filha, coisa habitualmente feita com alguns meses de
antecedência, para criar e depois matar para a boda.
Ruminantes e roedores são herbívoros, como se sabe. O que
significa que para se alimentar esta bicharada em casa era preciso ir-se à
procura de erva e de rama ao campo, quase sempre furtivamente, porque tudo tem
dono, e dono só dá quando colhe algum benefício do que dá. Era o caso da desponta
do trigo. Havia searas a que convinha despontar o trigo em certa fase do seu
crescimento. Não sei porquê, mas suponho que por se apresentar com um
crescimento excessivo devido a condições climatéricas demasiado favoráveis.
Então os donos tornavam público que quem quisesse ir despontar o trigo na sua
seara situada em tal ou tal propriedade podia fazê-lo. Não faltava quem
aproveitasse, exactamente para dar aos herbívoros que tinha em casa. E, assim,
os proprietários evitavam pagar a quem fizesse o serviço. Lá diz a vox populi: viver não custa; o que custa é saber
viver.
Fora isso, que era muito pouco, porque a bicharada tinha de comer
todos os dias, pegava-se numa saca e numa foice, para a erva, ou numa corda e
num serrote, para a rama, e partia-se para onde parecesse que melhor se poderia
conseguir encher a saca ou fazer o molho. Este tornava-se um bocado mais
difícil de fazer, porque era preciso trepar às árvores e serrar os ramos, salvo
quando se tratasse da rama das oliveiras, porque, destas, o que o gado comia
bem eram os rebentos, tenrinhos, nascidos na base dos troncos. As outras
árvores cuja rama o gado consumia, e a que tinha mesmo de trepar-se para a
colher, eram o choupo, o freixo e o salgueiro, abundantes na região.
Dada a dificuldade para as mulheres em subirem às árvores, maior
do que para os homens, como facilmente se compreende, quanto mais não seja
porque as mulheres não usavam calças e muitas delas nem cuecas tinha (está a
ver-se o embaraço, não?), havia homens que se davam ao cuidado de
providenciarem eles pela rama sempre que possível, chegando a irem buscá-la
ainda antes de saírem para o trabalho, no qual, como já foi dito, tinha de
pegar-se ao nascer do Sol. Outras vezes, era depois da despega – depois já do
sol-posto, portanto - que ainda se metiam por algum arvoredo que ficasse no
caminho, para cortarem uns ramos e carregá-los para casa.