Nos dias mais pequenos
do ano (Outono e Inverno) e aos sábados em geral, os adolescentes que ainda não
namoravam (esses iam para o namoro) passavam muitas vezes o serão pelas
barbearias e pelas alfaiatarias, especialmente por aquelas em que o barbeiro e o
alfaiate fossem jovens também. Embora uma aldeia, certamente não das maiores, o
Pombalinho chegou a ter, naqueles tempos (décadas de 30,40, 50), nada mais nada
menos que 5 barbearias e 3 alfaiatarias.
As barbearias eram as do António Teixeira (conhecido por António
Barbeiro), do João Anacleto (João Barbeiro), do Diamantino Costa, do Carlos
Cavaco (Cavaquito) e do Veríssimo Duarte.
Todas instaladas em cubículos, três na Rua de Cima (Rua Barão de
Almeirim), e duas na Rua de Santo António, algumas delas ficavam bem próximas
umas das outras.
Na Rua de Cima situavam-se a do António Teixeira, entre o prédio
dos Barões de Almeirim e a mercearia da senhora Anita, com uma entrada para as
traseiras entre o prédio e a barbearia; a do Diamantino Costa, que depois de
aprendido o ofício em Santarém se estabeleceu no Pombalinho num apartamento (o
primeiro à esquerda, no rés-do-chão) do edifício pegado à Casa do Povo,
pertencente a Joaquim Gonçalves Ferreira, mas que depois de casado se mudou
para um compartimento anexo à loja do sogro (o Manuel Tadéia); e a do Carlos
Cavaco, que, depois de aprendida a profissão com o António Teixeira, se
estabeleceu num cubículo logo a seguir ao portão de entrada para as traseiras
do prédio do Américo Cachado e também sua propriedade.
Neste mesmo espaço entre a Igreja e a Casa do Povo houve também a
barbearia do Francisco Braga, mas esta encerrou, julgo eu, antes de um dos
outros, o Cavaquito ou o Diamantino Costa, se ter estabelecido. O Xico Braga
fechou a barbearia para ir cumprir o serviço militar, em Lisboa, e por lá ficou
depois, salvo erro como funcionário do Estado num serviço de fiscalização
criado para combater a especulação resultante da escassez provocada pela
Segunda Grande Guerra (escassez essa que levou ao abastecimento de alguns
produtos essenciais, como o pão e o açúcar, por meio de senhas) e de que na
altura era director o major Silva Pais. Pelas conversas do João Braga, o filho
fora colocado como impedido do Silva Pais durante o cumprimento do serviço
militar, o que teria vindo a valer-lhe a protecção do mesmo.
E, se muito me não estou a confundir, conheci ainda outra
barbearia nesse mesmo espaço, pertencente ao Júlio Freire pai (Júlio da Silva
Freire), que aí exercia a profissão. Se realmente não estou enganado,
situava-se a mesma num compartimento que ficava à esquerda da habitação da
família, ou seja, pegado ao edifício em que o António Mota Alegre habitava (no
primeiro andar) e tinha o seu estabelecimento comercial e tratava do correio
(no rés-do- chão). Bem poderá dizer-se que no caso desta última
barbearia, tudo não passa de uma suposição minha, mas, já agora, suposição por
suposição, deixe-se-me ainda supor que o Júlio Freire filho (Júlio da Conceição
Freire) aí terá chegado também a tratar do cabelo e da barba dos clientes,
coisa que terá, naturalmente, aprendido a fazer com o pai.
O que não é suposição nenhuma é que um neto do primeiro Júlio
Freire e sobrinho do segundo, o Júlio da Conceição Silva, foi realmente
barbeiro, mas não exerceu a profissão no Pombalinho. Aprendeu a profissão em
Almeirim, depois de ter saído de casa, e trabalhou depois numa barbearia de Lisboa, antes de se ter empregado num
serviço estatal, em Setúbal.
As duas barbearias da Rua de Santo António ficavam a menos de
cinquenta metros uma da outra. Eram a do João Anacleto, situada mesmo em frente
da Rua de Baixo (Rua 31 de Dezembro), e a do Veríssimo Duarte, pegada à
mercearia do José Narciso (e mais tarde do Felesmino e da Júlia), no sentido de
quem vai para a Rua Nova (Rua 5 de Outubro).
O João Anacleto, devido a uma doença que o deixou de cadeira de
rodas deixou de exercer a profissão, mas não fechou a barbearia. Pôs por sua
conta um jovem barbeiro de Riachos, o Carlos Patim (não sei se apelido, se
alcunha, o “Patim”) e ele tomou conta, com o apoio da mulher (a Augusta Mota),
do Posto dos Correios, instalado (depois desse serviço ter deixado de estar a
cargo do Mota Alegre) ao lado da loja das Motas, como era conhecida.
O Veríssimo Duarte era ajudado, nos dias e horas de maior
afluência de clientes (o sábado à noite e o Domingo), pelo irmão, o Francisco
Duarte, mais conhecido por todos por Xico Pardal, que também havia aprendido o
ofício, mas que acabou por assumir como sua profissão a de negociante de
criação e de coelhos, de peles e de ovos, que comprava no Pombalinho e
arredores e despachava para Lisboa,
por via férrea.
Falando do Xico Pardal, justo é realçar a sua grande classe como
actor de índole humorística, largamente comprovada na sua larga participação em
grupos teatrais do Pombalinho e da Azinhaga.
Quanto a alfaiates, eu ainda sou dum tempo em que não havia nenhum
estabelecido no Pombalinho. Vinha um alfaiate de São Vicente do Paul, o Joaquim
Alfaiate (nunca o conheci por outro nome) arranjar clientes ao Pombalinho e,
pelos vistos, dava bem conta do recado. E havia para isso duas boa razões. Eram
elas, por um lado, que os alfaiates, por aqueles tempos e naqueles meios, só
faziam fatos para homens e, por outro, que a maior parte dos homens não mandava
fazer mais que dois fatos durante a sua vida, o primeiro para estrear no dia da
inspecção para o serviço militar (onde teria que despi-lo, assim como ao resto
da roupa), e o segundo para estrear no dia do casamento.
Um fato completo era, e é, composto por três peças, calças, casaco
e colete, mas o colete usava-se muito pouco, pelo que a maior parte o não
mandava fazer. Sempre ficava mais barato. E, por falar em custos, não será
despiciendo lembrar que, desses dois fatos apenas que a maior parte mandava
fazer ao longo da vida, um deles, o da inspecção militar, para um ou outro com
maiores dificuldades tinha de ficar-se por um fatinho de cotim.
A certa altura, porém, o Joaquim Alfaiate veio estabelecer-se no
Pombalinho, onde, além de quatro aprendizes, incluindo um filho, o José, teve a
trabalhar consigo um alfaiate que durante algum tempo esteve a habitar no
Pombalinho, em casa do João Feliciano, de cuja esposa, salvo erro, era
familiar. Era aleijado de uma mão, mas não ao ponto de que isso o impedisse de
jogar futebol. Também o não impedia, de resto, de exercer a sua profissão.
Passados uns anos, e depois de ali ter falecido uma sua cunhada
solteira (irmã da mulher) que habitava com a família e também trabalhava na
alfaiataria, o Joaquim Alfaiate partiu novamente, não se livrando da fama de
ter sido ele o causador da morte da cunhada, por meio de alguma remessa, nome
que por aquelas paragens se dava a qualquer mistela dada a alguém com o fim de
lhe acabar com os dias. Cá por mim, nunca acreditei que o homem tivesse feito
isso.
Mas, então, já os seus aprendizes se haviam tornado mestres e se
haviam estabelecido por conta própria. Casos do Manuel Braga, que ocupou o
espaço que fora a barbearia do irmão, conforme já referido. E casos também dum
João e de um Ângelo, que já vieram com o mestre de São Vicente do Paul e dos
quais não sei se alguma vez conheci o apelido. Ambos acabaram por ficar no
Pombalinho, onde se estabeleceram e se casaram. O João, como Joões há muitos,
passou a ser conhecido por João Alfaiate, seguindo o ancestral costume de se
dar a esses profissionais a profissão por apelido. O Ângelo, como não havia
mais nenhum Ângelo no Pombalinho, não havia necessidade de chamar-lhe Ângelo
Alfaiate (e parece que até não soa bem), para se saber de quem se falava.
Estava identificado apenas pelo nome próprio. O que não quer dizer,
naturalmente, que algumas vezes assim não tenha sido chamado.
O Joaquim Alfaiate, ao estabelecer-se no Pombalinho ocupou o
compartimento do edifício do Joaquim Gonçalves Ferreira em que mais tarde o
Diamantino Costa viria a instalar a sua barbearia, como já mencionado. O
Joaquim Alfaiate mudara-se para uma casa que ficava na Rua de Santo António, em
frente da Rua Joaquim Gonçalves Ferreira ou quase, ali tendo exercido a
profissão e permanecido, julgo eu, até deixar o Pombalinho.
O João Alfaiate estabeleceu-se na casa pegada, pela parte de cima,
à fonte da Rua de Baixo, muito próximo, portanto, do estabelecimento do Manuel
Cavaco e da Domicília. O Ângelo estabeleceu-se no Outeiro, onde me parece que
os seus pais habitavam. E, com a minha saída da aldeia natal, pouco mais sei
quanto às andanças de um e do outro. Sei é que na barbearia do Carlos Cavaco e
na alfaiataria do João Alfaiate, muito próximo da qual morava, passei muitos
serões em bom convívio com os próprios e com malta da nossa geração. E também
passei bons bocados na barbearia do António Teixeira, pois foi a que eu mais
frequentei (era, aliás, seu cliente) antes da abertura dos estabelecimentos do
Carlos Cavaco e do João Alfaiate.
Um facto a realçar, em relação às barbearias, era o seu contributo
para uma actividade lúdica dos clientes. Com efeito, todas elas dispunham de
jogo de damas e de jornais aos sábados e aos Domingos (“O Século” ou o “Diário
de Notícias”), pois, como já aludi a propósito da ajuda do Xico Pardal ao irmão
nos dias e horas de maior afluência de clientes, as barbearias estavam também
abertas nesses dias, sendo o serão de sábado o maior de toda a semana. Se os
barbeiros tinham um dia de folga, era à segunda-feira.
Também não faltavam então – mais exactamente entre 1939 e 1945 –
por cima dos bancos das barbearias, as publicações sobre a Segunda Grande
Guerra, que as Embaixadas dos Aliados faziam chegar a toda a parte.
Assim, foi na barbearia do António Teixeira que eu aprendi a jogar
às damas, que foi um dos meus grandes entretenimentos durante muitos e muitos
anos, e a fazer palavras cruzadas, que muito contribuíram (e já não contribuem
porque não tenho hoje jornais que as publiquem) para o enriquecimento do meu
vocabulário.
Naquele tempo, raríssimo era o camponês adulto que soubesse ler,
e, por isso, algumas vezes li, em voz alta, também na barbearia do António
Teixeira, para todos os presentes, as notícias do jornal que mais interesse
despertavam.
Só para mim, não deixava de ler nunca eram ao apontamentos
críticos publicados nesses jornais sobre os filmes estreados (em Lisboa,
claro). Não tinha a mínima hipótese de ver esses filmes, ou quaisquer outros,
mas não desperdiçava um só desses apontamentos, muito longe, naturalmente, de
pensar que o cinema viria a ser uma actividade a que eu estaria bastante
ligado, primeiro como cineclubista, depois como chefe do Sector de Documentação
e Informação Cinematográfica do Instituto Nacional de Cinema, em Maputo, e como
colaborador, durante pelo menos duas décadas, de todos os órgãos de comunicação
social então existentes na mesma cidade, além de ter feito parte, por muito
tempo, da Comissão de Exame e Classificação de Espectáculos (CECE),
espectáculos esses que, diga-se, se resumiam aos filmes.
E, já agora, por falar em filmes, e por o facto, ocorrido nesses
tempos da minha infância, não estar certamente despido de interesse, histórico
até, seja-me permitido lembrar, a terminar este capítulo, que o primeiro filme
que eu vi - e, como eu, com certeza a quase totalidade da população do
Pombalinho – foi “Nada de Novo no Alcazar”, um documentário de propaganda
franquista que durante a Guerra de Espanha (1936/1939) andou a dar a volta a
Portugal, por iniciativa do Secretariado Nacional de Informação (SNI), e que
foi exibido no adro da igreja.
Bons tempos?... Para quem os recorda... Ou não será que RECORDAR É
VIVER?
1 comentário:
Caro amigo Guilherme Afonso
De facto recordar é viver.De uma forma humoristica é caso para dizer, se o senhor não existisse, teria que ser inventado.O senhor tem um jeito muito especial para narrar as histórias da nossa terra e criar nos leitores uma nostalgia positiva na medida em que nos recordamos todos um pouco daquilo que foi a nossa juventude passado naqueles tempos no Pombalinho.Tambem eu fui cliente do Antonio Barbeiro, do João Alfaiate, do Ernesto Sapateiro e Manuel Barão, só para citar alguns.Gostei imenso de ler o seu artigo.Continue sempre.
Um abraço
Vitor Reis
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