A saga das mulheres e
da cachopada continua. Já falei de como era angariada uma parte do combustível
para as necessidades caseiras: as vides. Mas as vides, além de arderem
depressa, eram uma diminuta fracção do combustível necessário para um ano
inteiro. Pelo que tinha de se recorrer a outros meios para arranjar o resto.
Quando as finanças o permitiam, e fazia-se por isso, comprava-se lenha extraída
das oliveiras por altura da destronca. E aqui falo de destronca, não de limpeza.
Com efeito, tendo em vista manter a ramagem viçosa e boa a
produção, em cada período de cinco anos havia esses dois tipos de tratamento às
oliveiras. O processo obedecia ao seguinte esquema:
Ao quinto ano de cada ciclo, as oliveiras eram deixadas apenas com
algumas pernadas, pelo que a principal ferramenta utilizada na operação era o
serrote. No ano seguinte, a produção era quase nula e apanhada à mão (ripada),
para que os ramos novos não sofressem danos. E depois da colheita fazia-se
então uma limpeza: um desbaste dos ramos, de maneira a deixá-los formando uma
copa tanto quanto possível circular, em forma de cálice, nisso se fazendo valer
a perícia do operador, que nesse caso usava muito mais a tesoura de poda que o
serrote. No ano seguinte, a azeitona, já em maior quantidade, mas com uma
produção ainda escassa, voltava a ser ripada. Até nova destronca, a azeitona,
com a produção sempre em crescendo, se bem que dependente das condições
atmosféricas de cada ano, passava geralmente a ser varejada.
Como os olivais eram muitos e cada um dos grandes proprietários
possuía vários, naturalmente que eles próprios predispunham as coisas para que
as destroncas se intercalassem, por forma a poderem obter uma colheita
equilibrada todos os anos. O que significa que também todos os anos havia lenha
de oliveira à venda. E, portanto, quem o podia fazer, aí ia buscar,
comprando-a, como já disse, uma carrada, pelo menos. Porque nem todos podiam.
Assim como havia um ou outro que podia comprar mais. E comprava. Mesmo entre os
mais pobres, há uns mais pobres que outros. Evidentemente,
como diria o Manuel Cameiro, avô materno de um dos capitães da Revolução dos
Cravos (o Costa Brás) e proprietário que, numa escala de três níveis –
pequenos, médios e grandes – classificarei de pequeno. Donde lhe veio a
aprendizagem do termo, nada usual naquele meio e naquele tempo, não sei. O que
sei é que ele o usava por tudo e por nada e que, por causa disso, o pessoal às
vezes o parodiava.
Voltando à lenha, resta dizer que as vides e a carrada de lenha de
oliveira, quando comprada, não chegavam para as encomendas, como sói dizer-se
(perdõe-se-me o arcaismo), nem coisa que se parecesse. De onde... a necessidade
de roubar (Que palavra feia!) o resto. E que era tarefa (mais uma...) sobretudo
para as mulheres. Onde se pudesse deitar a mão a uns gravetos, a umas raízes
secas (no mato, que ficava para lá da Linha do Norte, pelo menos dois
quilómetros andados), a umas cavacas, para aí se caminhava, de serrote ou sacho
e de corda ou saca, tão disfarçadamente quanto possível e evitando maus
encontros. Era um jogo constante do gato e do rato. E a minha mãe não se livrou
de ter também sido multada uma vez por andar à lenha, por sinal na Requeixada.
Se a expedição corria bem, era vê-las no regresso (juntavam-se sempre duas ou
três vizinhas para a jornada), com o molho ou a sacada à cabeça, usando a sogra
de permeio, para melhor equilibrar a carga e para evitar o contacto de coisas
duras com o crânio.
As cavacas, eram mais os homens que iam à sua procura, coisa que
faziam especialmente no inverno, em dias sem trabalho. E para isso a ferramenta
adequada era uma sega, ferramenta grossa, de ferro, utilizada especialmente
para abrir buracos em chão duro ou pedregoso. Numa terra de tanta oliveira,
era, naturalmente, nos troncos já carcomidos das oliveiras mais velhas que se
tentava arrancar as cavacas, metendo a sega pelos interstícios. O que exigia
força. E daí que os homens fossem mais dotados para isso. Algumas vezes eu vi o
meu pai sair para ver se trazia umas cavacas, que bom jeito faziam para a
fritura dos tradicionais velhós (assim se chamava no Pombalinho às filhós) e
coscorões, na noite de Natal.
Sem comentários:
Enviar um comentário