A matança, poucos a
podiam fazer em casa, como disse. O meu tio José Minderico (meu tio, por ser
marido de uma irmã do meu pai, a Jesuína) era um desses. Pelo menos uma vez,
ainda eu era muito pequeno, fui com os meus pais e o meu irmão a uma matança em
sua casa, que era na Rua de Santo António.
Os meus pais faziam parte do grupo maior – o grupo dos que tinham
que vender o porco. Em minha casa nunca houve matança. E, que me lembre, sempre
o porco foi vendido ao Hermínio Minderico, antes e depois de a minha mãe gastar
da sua loja, na Rua Joaquim Gonçalves Ferreira, mais conhecida por Rua dos
Foros, creio que por as habitações dessa rua, todas dum lado só, excepto num
dos extremos, aquele em que há uma fonte, haverem sido construídas em terrenos
cedidos por foral.
E os porcos que os meus pais criavam iam para o Hermínio (que,
diga-se de passagem, fazia o melhor chouriço das redondezas) exactamente porque
a senhora Anita, dona da loja em que a minha mãe gastava antes, na Rua Barão de
Almeirim (a Rua de Cima: todas as ruas ou quase tinham, de resto, dois nomes, o
oficial, que estava inscrito nas tabuletas nelas afixadas, e o que a população
lhe dava e pelo qual muito melhor as conhecia), não matava porcos.
À matança do porco vendido ajudava a família que o vendia,
começando por levá-lo para o local do sacrifício, depois de o ter deixado, se
não me engano, 24 horas sem comer. Uma vez ali, atavam-se-lhe as patas e o
focinho, em cujas cordas se usava, aliás, o chamado nó
de porco, deitava-se em cima de uma banca e enfiava-se-lhe um
facalhão nas goelas, pondo um alguidar a aparar o sangue, a que se ia juntando
sal e se ia mexendo, por entre os grunhidos do pobre porco. A seguir, e com o
animal já desamarrado, primeiro chamuscavam-se-lhe os pelos por todo o corpo,
com carqueja seca a arder na ponta duma forquilha, e depois lavava-se bem
lavado, utilizando-se água e uma escova de piaçaba. Dali, ia para o chambaril,
e começava a dissecação. Depois de extraídas as tripas e algumas miudezas que
estava estipulado pertencerem ao vendedor do porco, em casa do qual, haveria, assim,
nesse dia ou num dos seguintes, rancho melhorado, procedia-se então ao peso da
carcaça, operação em que se usava uma balança romana (balança de pilão).
E vamos a contas. Tantas arrobas; a tanto a arroba: x vezes y
igual a z (isto
aprendi eu mais tarde),
vamos lá a ver se ainda tens algum dinheirinho para levar, ou se fica todo na
mercearia e nem chega para liquidar a dívida.
Sem comentários:
Enviar um comentário