Dizia eu (pág. 2) que,
no Pombalinho, a mulher casada cuidava do marido, dos filhos, da casa e do mais
que se verá. Pois bem, o mais que se verá, já vimos... E cuidar do marido (além
dos específicos deveres de esposa) e dos filhos, assim como de si própria e da
casa, era, naturalmente, preparar a comida, tratar da roupa e manter a casa
limpa e arrumada.
A comida dos pombalinhenses tinha por base uma sopa grossa, de
couves, e às vezes nabos, com feijão branco e azeite, produtos abundantes na
região. Os nabos consumiam-se mais em determinada época do ano, uma época em
que o Veiga semeava no Mouchão, do outro lado do Tejo, grandes nabais, e vendia
depois cada braçada de nabos (a medida era um baraço dos que se usavam para
atar os molhos de trigo e cuja bitola era exactamente a distância entre as duas
mãos, com os braços estendidos), com as suas magníficas cabeças, a cinco
tostões ($50) a braçada. E, claro, lá iam as mulheres, às vezes acompanhadas
por algum filhote (eu lembro-me de ter acompanhado a minha mãe), caminhando
dois ou três quilómetros para cada lado, com a travessia do Tejo feita pelos
barqueiros que o Veiga ali mantinha, e carregando, no regresso, os nabos à
cabeça.
Durante a semana, era feita diariamente uma panelada de sopa que
desse para a ceia e para o almoço do dia seguinte, tomado, este, das 10 às 11
horas, no local de trabalho, pelos que andassem a trabalhar. A não ser que o
trabalho fosse muito perto de casa, o que era raro. Nesse caso, ia-se tomar as
refeições a casa. O jantar, no campo, das 14 às 15 horas, nos dias mais
pequenos, e das 14 às 16, nos dias maiores, consistia, normalmente, em pão com
um bocado de conduto, que podia ser queijo, sardinha, carapau, chicharro (era o
tempo dos “3, dez tostões”), bacalhau, qualquer outro peixe, assado ou cozido,
azeitonas, toucinho, chouriço, morcela, ovo cozido, mexido ou em omeleta,
marmelada, e sei lá que mais.
O trabalho era de sol a sol e, por isso, as duas horas ao jantar
nos enormes dias de verão, a fim de ficar tempo para uma sesta e poder-se,
assim, dar melhor rendimento nas mais de quatro horas que faltavam ainda até o
Sol se pôr. Era um tempo em que muitas vezes ao jantar se comia algo de mais
substancial, levado ao local de trabalho pela mulher, pela mãe, por algum filho
pequeno, ou cozinhado ali mesmo, na altura, para o que, ao sair de casa, pela
manhã, cada um levava consigo os ingredientes necessários. Algo, naturalmente,
que não demorasse muito tempo a preparar. E levava-se também a burra, um pedaço
de varão de ferro com um bico dum lado, para espetar no chão, e uma dobra do
outro, para pendurar a caldeira ao lume. Mas também acontecia que, para
completar os ingredientes para a refeição, se saísse de casa a contar com
alguma coisa que se apanhasse pelo caminho ou no próprio local de trabalho.
Quando era a contar com o que a terra dava, tomates ou pimentos, por exemplo, e
pouco mais, tudo bem. Mas a contar com o que andava dentro de água, isso era
arriscar muito. Na verdade, eu só me lembro de ter assistido a isso uma vez.
Passados tantos anos (à volta de sessenta), não sei já dizer quem foi o
protagonista (ou melhor, não quero arriscar-me a errar, porque tenho uma pessoa
em mente). Mas que aconteceu, aconteceu.
Andávamos a trabalhar numa seara de cânhamo, a hoje famosíssima e
proibidíssima cannabis sativa,
nos “Talhos”, propriedade na margem esquerda do rio Alviela e próxima da ponte
(romana) entre o Pombalinho e Vale de Figueira, exactamente no local que a
televisão mostra nos seus telejornais cada vez que o Alviela deita fora e corta
ali o trânsito na Estrada Nacional nº 365. Chegada a hora do jantar, quem quer
que ele era, espetou a burra sobre a fogueira, pendurou-lhe a caldeira com
batatas para cozer, pegou numa cana que tinha preparado para a pesca, iscou o
anzol e deitou-o à água. Mas sinal de peixe, nada. A bóia nem bulia. Estariam os
peixes também na hora da sesta? Não, não estavam. Pelo menos um, não
estava. Porque, depois de muito esperar, o nosso amigo viu, de repente, a bóia
a ser puxada para o fundo. Ele estava atento. Segurou a cana com firmeza,
rapidamente. Mas nem tempo teve de puxá-la, porque a bóia, tão de repente como
tinha ido ao fundo, veio à superfície, por conta própria. Desolado, o nosso
amigo puxou a cana. E disse mal da vida. O peixe tinha simplesmente quebrado o
fio e levado o anzol. Que grande peixe ele devia ser!... Bom, escusado seria
dizer que o azarado pescador teve de contentar-se, para o jantar daquele dia,
apenas com as batatas cozidas, temperadas com azeite e sal, mais o costumado
bocado de pão de milho a acompanhar. Conduto, nicles...
A respeito de comida, está dito como era durante a semana. Falta
dizer que, nesse tempo, a semana de trabalho para o camponês era de
segunda-feira a sábado e de sol a sol, como já foi dito mais acima, excepto à
segunda-feira, dia em que, no Pombalinho, se pegava ao serviço às 10 horas, já
almoçado. E falta dizer que ao Domingo havia, normalmente, rancho melhorado e
se eliminava uma refeição, com o almoço mais ou menos por volta do meio-dia, às
vezes depois de toda a família ter ido para o campo ou para a eira a fim de
trabalhar nas tais searas de milho e feijão, de grão de bico, etc., ou no apuro
da sua colheita (descamisar, malhar, escarolar...), e o jantar à costumada hora
da ceia.